Saiba como o Desenho Animado começou no Brasil:

Bem vindu!
Aqui você fica sabendo como é feito um desenho animado tradicional (2D), suas etapas e sua evolução. Algumas biografias resumidas do pessoal da
animação. Aqui tem art concept, layouts, story boards, models, memórias, repertório de Glória Costa animadora e seu professor e amigo, o animador Mario Lantana, links de animação. Vai encontrar também ilustrações de Glória Costa. Curiosidades e muito mais!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

No Compasso de Mário Lantana

Mário Giovani Lantana

Este é Mario Lantana, italiano, natural de Pádua, veio para o Brasil com 27 anos, logo depois que terminou a II Grande Guerra e seus estudos na Universidade de Pádua. Trazia uma lata com um pedaço de filme em 35 mm, que ele mesmo havia animado e filmado na Itália com a iluminação do sol e uma câmera emprestada. Um diploma de geômetra e muitos sonhos.
Fabricou a mesa, a régua de pinos, os pinos para fixar a sua animação. Montou no quintal e filmou com a luz solar. Ele mesmo havia animado, feito o cenário e finalizado para poder filmar. Usou pinos duplos, pois sua furadeira era de escritório. E como não havia acetato para sua produção, literalmente de quintal… Ele teve que usar papel vegetal. razoavelmente transparente que permitia ver alguns traços do cenário por baixo dele. Era um filme modesto, engraçado e muito simples. Já existia cinemascope, mas o filme dele era em preto e branco.
A paixão dele por cinema de animação nascera ao assistir Branca de Neve e Pinocquio.  Depois, quando a II Grande Guerra irrompeu ele,  sozinho, escondido no porão de sua casa para não ser posto no exército de Mussolini, ficava treinando animação com o mesmo papel, enchia de esboços de esqueletos de personagens, diagramas e notas musicais para marcar os tempos, de personagens finalizados  e assim desenvolveu-se como animador. Terminada a Guerra pôde voltar a escola e se formou geômetra pela Universidade de Pádua.
Não se sabe  como ele desenvolveu todo seu potencial de animador. Detalhes de toda essa aventura solitária durante a guerra não sabemos, ele não contou. Só que desenhava muito dentro de casa, era uma forma de não enlouquecer com a guerra. 
E ele costumava marcar todo o tempo de sua cena cantarolando, geralmente era o hino da Inglaterra para cenas calmas e devagar. E usava marcação de óperas que ele ficava solfejando e desenhando. Algumas vezes os animadores levantavam da cadeira com gestos de impaciencia e saíam para tomar um café... Era claro que eles já estavam cheios das óperas murmuradas. 
Sua assistente ria por dentro, para ela preferia que fosse uma música clássica a um rock ou metalica! e Lantana notava e reduzia o tom. Às vezes parava de desenhar e movimentava a lapizeira, estava regendo a animação.
Mas um dia ele entrou no estúdio e simplesmente falou:
- Eu fui salvo por um punhado de tomates! – e pousou suas coisas, um casaco e a carteira de documentos em cima da prateleira e se sentou para trabalhar enquanto todos riam e o rodeavam:
- Bom dia, Lantana… Mas como é que é essa história!?
Ele empurrou a armação do óculos e repetiu a mesma frase, causando risadas gerais. Todos haviam parado o que faziam em suas mesas de animação e insistiram em saber os detalhes:
- Agora conta! Como os tomates salvaram sua vida?
Ele olhou a todos na sala, estavam todos da equipe na sala, inclusive sua Assistente Glória.
Ele começou  contar em tom sério:
- A guerra tinha começado e eu ainda não tinha 18 anos, mas já podia ser pego nas ruas para servir o exército, só que eu não queria. Então eu ficava nos porões de nossa casa. Só saía de noite para conseguir alguma comida. um jornal. Eram tempos difíceis até para os italianos. Em casa chegamos a discutir por um pedaço de pão. As mulheres (as irmãs e a mãe dele) o comeram e eu não. Mas elas agora com a guerra não me obrigavam a tocar piano, porque o barulho podia atrair a atenção dos soldados na rua. – ele fez uma pausa para alinhar os cabelos ruivos já com alguns fios embranquecidos. – Mussolini ainda não havia se aliado a Hitler… E numa das noite em que eu me esgueirava pelas ruas e ruínas, um soldado me chamou: “você é judeu?” ele viu meu cabelo ruivo e fiquei gelado, “não” eu lhe disse e mostrei meus documentos…
Nessa altura a maioria ainda sorria do relato, porque o italiano ruivo, ainda com seu leve sotaque e seu jeito de fazer piada, contava aquele episódio de um modo cômico. Ninguém sabia quando era sério o assunto ou quando ele estava gracejando! E ele fazia piadas muitas vezes de si mesmo.
- …Então fui levado para a delegacia, estava preso por não ter me apresentado para o alistamento!  O pão que levava para casa ficou caído no chão e tomei um telefone* na orelha. Mas nos meus documentos eu era ainda menor de idade, tinha 16 anos, então fizeram meu alistamento e fui para o exécito. Fiquei preocupado por não poder avisar a minha família, mas no quartel pude comer todo dia. Comia bem e treinava marchar e atirar. Então nos puzeram num caminhão e fomos atirar nos alemães.  Mas nem os alemães podiam nos matar e nem nós a eles quando chegamos no lugar. – de novo ele coçou a cabeça tentando lembrar os detalhes da sua história. – Mussolini estava iniciando negociações com Hitler e sabíamos que Il Duce gostava da ousadia do alemão maluco. Mas os soldados alemães podiam nos prender e foi o que fizeram, prenderam nossa tropa num galpão de fazenda. A porta não ficava fechada porque os alemães ainda não sabiam se nos consideravam amigos ou inimigos. E ficava um alemão na entrada e cada vez que ele sumia, eu solfejava um compasso. O mesmo compasso! pom pom pompo-pom, pom pom pompo-pom…
Nesse momento todos cairam na gargalhada da marcação de tempo que era a mesma que ele usara muitas vezes para animar.
- Mas Lantana vocês resolveu cantar! Você por acaso ia animá-lo?
Ele retrucou, como se mal ouvisse o gracejo dirigido a ele:
- Mas claro que eu  marcava o tempo que ele sumia e tornava a aparecer! Eu precisava saber quanto tempo ele ficava longe! E todos reclamaram do meu solfejo assim como vocês sempre fazem, e um amigo meu, de Padua também, me cutucou e falou: “você vai fugir, é isso”. Então eu combinei com ele, tínhamos 4 a 5 minutos para correr até o bosque em frente e sumir. Dos outros ninguém quiz ir pois todos sabíamos do encontro de Hitler e Mussolini e todos acreditavam que iam ser salvos. Só que eu nunca quiz servir o exército e matar gente. E eu era o único homem na minha casa desde que meu pai tinha ido para a guerra, precisava avisar minha mãe onde eu estava. Depois até me entregaria para minha polícia e voltaria para o exército pois podia alegar que fugira dos alemães se me pegassem!
- E o que o alemão fazia toda hora que sumia? Ele  estava com caganeira?
Mais uma vez desatataram todos a rir. O Lantana disse:
- Ele adorava tomates! Havia um nó na madeira do galpão e o empurrei para fora e por ali pude ver que o alemão enfiava a mão num barril de tomates e saboreava tres ou quatro e depois voltava para seu posto. Então eu e meu amigo ficamos esperando, assim que ele chegou no barril, nós corremos para o bosque. Mas corremos tanto que não víamos para onde íamos! Estávamos dentro do bosque e quando vi íamos voltar para o galpão de tanto correr. Eu parei meu amigo, sentamos  e respiramos. O alemão estava em seu posto novamente e não havia percebido nada! Nós estávamos livres! Saímos do bosque com passo acelerado e rumamos para Pádua. Eu queria fazer o caminho mais longo e mais seguro por dentro de bosques e isso ia levar mais de dois dias. Pela estrada se fossemos caminhando daria um dia de viagem. Ele insistiu em ir pela estrada e então nos separamos. Só havia um lugar para nos reencontrar e combinamos de esperar o outro na ponte que vai para Pádua. Quem chegasse primeiro,  ficaria oculto e esperaria o outro. E demorei tres dias para chegar na ponte, porque eu me escondia toda vez que via uma tropa.
- E você não procurou soldados italianos?
- Eu queria ver minha mãe  e minhas irmãs que deviam estar desesperadas por meu sumiço! Sabia que ninguem fora lá para avisá-las.
- Então continua Lantana, você encontrou seu amigo na ponte? – perguntou sua assistente.
- Encontrei…  Nunca tinha visto um morto até então e vi meu amigo com a barriga cortada por uma rajada de metralhadora e só pude fechar os olhos dele e seguir para minha casa.
- Mas nem cobriu ele com pedras? – um dos animadores ficou inconformado.
- Era la guera. Eu não podia sequer pensar em fazer isso e denunciar que o outro fujão que era eu estivera ali! Eu só pensava nos vivos de minha família! Depois soube que todo meu pelotão havia sido fuzilado. Não só o meu pelotão, outros também foram fuzilados!  E no dia seguinte a essa mortandade Mussolini e Hitler estavam se dando as mãos. É como eu disse, um punhado de tomates me salvou.
- Para você acabar animando no Brasil! E você não quiz ir para a Disney? Nunca pensou nisso?
- Meu dinheiro não dava para pagar a passagem até lá quando saí da Itália. Aqui pelo menos eu ia viver num país maravilhoso, amigo e sem guerras! No navio que tomei acabou meu dinheiro para comer e tive que  trabalhar na cozinha e  aproveitava para comer e assim poder guardar algum dinheiro para quando descesse em terra.
Lantana no Estúdio da Black&White&Collour
Não se sabe o que lhe passava pela cabeça,  pois acabou se suicidando numa sexte feira santa, em  primeiro de abril de 1984. Se sentia-se culpado por não ter segurado o amigo ao lado dele, ou o que... Muita coisa ele não revelava, mas quando veio para o Brasil já não conseguia dormir normalmente sem remédios. E a profissão que tanto amava, sempre exigiu dos profissionais que passasse noites em claro para entregar um filme no prazo. Ele ria e dizia que ter insonia no final era uma vantagem.
Ao chegar, aportou em Salvador e uma semana depois chegava em São Paulo. Aqui fez o primeiro comercial animado do “O remédio da Mulher,  Regulador Xavier 1 e 2″, filme com fotos montadas, onde os vidros entravam e dançavam no ritmo da música e que se perdeu em um incendio muitos anos depois em sua produtora MK. Seu primeiro filme feito ao sol da Itália também queimou. Mas ele continuou produzindo, sempre em São Paulo.  Outros que ficaram famosos foi A abertura original do programa Os Trapalhões de 1976, O bolo California, Turma da Mônica com vários deles coloridos, Poupança Haspa, Maionese Rose e o último deles, A Opinião que as Donas-de-Casa têm do Elefante da Cica. Ele participou do Primeiro longa da Turma da Mônica com sua última assistente Glória. E na época em que nos brindou com esse relato, estávamos fazendo o primeiro longa do Maurício de Sousa.

Leia este artigo também no oSabeTudo.com: A Vida por uns Tomates | O Sabe Tudo

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito bom esse blog!
    assinado Escobar.

    Na luta para divulgar a cura da artrite reumatoide e lupus sistemico, o caso da minha esposa! DIETA ELIMINANDO ALIMENTOS PRÓ-INFLAMATORIOS.
    www.curassecretas.blogspot.com

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  3. EU SOU O FILHO DE MARIO LANTANA ADRIANO DE CARVALHO LANTANA

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  4. Olá Lysa, vamos conversar sobre seu pai? Abraços

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  5. Eu sou Franklin França e conheci e trabalhei com Mario Lantana no Estudio da TV Tupy na Rua 7 de Abril em 1952. Graças a sua maneira de ser muito camarada e sempre pronto a ensinar e a ajudar as pessoas, me tornei um animador e mais tarde produzi meus próprios filmes de animação. Na época, fizemos filmes para o Leite Leco, Cera Parquetina e vários outros que já não me lembro.

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  6. Sou Dácio Bicudo, e meu primeiro emprego foi no estúdio MK com o Mario e o Kingo Yamazaki ( sócio dele na época ) eu era assistente de finalização, ou seja pintava os bonequinhos no acetato. kkkk muito legal o Mario e o Kingo. Época boa. Hoje sou diretor de comerciais. abs

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